sábado, 28 de fevereiro de 2009

Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen

Nesta hora

Nesta hora limpo da verdade é preciso
[a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia
[em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira
[e não meia verdade


Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e não razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar si lente de atenção -

Para construir a festa do terrestre
Na nudez da alegria que nos veste

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